domingo, 4 de junho de 2023

vai ficar tudo bem

manter o sorriso, com o alheamento de quem não se interessa pelo amanhã é talvez a única forma de superar a dificuldade, antes mesmo de ela chegar aos dedos dos pés e percorrer as veias até aos lábios que nos fazem sorrir. 

o sorriso forte e capaz de derrubar muros é o aliado perfeito, quando do outro lado a guerra está prestes a rebentar e a deixar-nos debaixo dos escombros, sozinhos e feridos, incapazes de continuar.

faz falta o "vai ficar tudo bem", acreditado, com valor e certeza. se acreditar, depois daquelas horas tudo será melhor e a esperança voltará a renascer. depois disso serei mais forte e o sorriso mais perigoso ao destino insolente e desafiador.

quarta-feira, 31 de maio de 2023

perda de significado

quando somos pequenos, são os primeiros a brincar connosco, são os primeiros a roubar-nos a chupeta, os primeiros a roubar a atenção do pai e da mãe, da avó e do avô. temos de dividir a atenção com eles, defendê-los dos maus que aparecem debaixo da cama e ir para a escola com eles enfrentar o mundo.

com os anos, os sonhos crescem connosco e aprendemos a distinguir o certo e o errado e, sabe-se lá porquê, há sempre um lado certo e um errado em cada escolha.

crescemos e crescemos até não cabermos mais naquilo a que chamávamos irmandade. passamos a ser praticamente desconhecidos e o pouco que nos une são as novas vidas que se acrescentam às nossas.

escolhemos caminhos diferentes e não apenas no percurso, mas nos valores, na gratidão e no amor.

continuamos assim dia após dia, com uma mágoa mergulhada no peito que não desaparece, apenas se esconde na velocidade da passagem dos dias e, de vez em quando, vem à superfície para nos lembrar que ainda estamos aqui, que ainda dói e que não vai melhorar.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

num cantinho da casa

por menores que já sejam as expetativas que colocamos nas pessoas, há sempre uma réstia de esperança de que nada pode ser pior, nada pode magoar mais, já nada vai ficar mais manchado. porque já foi tudo tão mau, tão doloroso, tão infindável, que nada pior se pode esperar.

eis que... mais um balde água gelada vertido sobre as expetativas, sobre as ilusões, sobre a paz podre. não acreditem que conhecem seja quem for. não conhecem e, todos somos capazes de fazer coisas que ninguém imagina. todos nós.

e no momento em que percebemos isto, enche-nos um aperto no peito, os olhos enchem-se de lágrimas, e o ar foge dos pulmões. o coração quase salta pela boca e o corpo puxa-se para um qualquer cantinho da casa onde pareçamos invisíveis, só para não ter de enfrentar o que a vida teima em achar que nos faz falta aprender.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

A sonhar

Os sonhos podem ser tormento

Cabem num sono profundo

Ou em dois minutos despertos.

Fazem-nos ser o que não somos

Levam-nos além do que podemos.

Ainda acordados somos decentes

Adormecidos deslumbrados

Cremos até ter ficado dementes.


Estremunhados não sabemos ser

Deixamos de acreditar conseguir

E deixamos que a realidade

Que queremos transformar

Vire mais tormenta do que sonho.

Acabamos frustrados porque afinal

O sonho acabou e nada mudou.

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

sobre o tempo

Com o tempo aprendemos que o nosso valor é aquele em que acreditamos e não aquele que sentimos que nos dão.

Com o tempo vemos melhor aquilo de que somos capazes e o quão bons somos naquilo que fazemos.

Com o tempo aprendemos a relativizar as más palavras e a falta de empatia.

Com o tempo ficamos a saber que só os nossos é que nos podem valer.

Com o tempo percebemos onde fazemos falta e onde somos dispensáveis.

Com o tempo aprendemos quem somos. E isso só o tempo nos pode dar e tirar.

quarta-feira, 20 de julho de 2022

A felicidade ainda não subiu de preço

 Não é difícil fazer alguém feliz.

Para mim por exemplo basta um bom dia, um abraço apertado sem razão, um sorriso. Ah sim, um sorriso! Um sorriso sincero ou envergonhado, um sorriso de felicidade ou de gratidão. É tão fácil e não custa nada, nem um cêntimo.

Passamos a vida a ganhar dinheiro para dar aos outros, para os fazer felizes, quando depois guardamos para nós o que de melhor temos e o que de melhor lhes podemos dar. Que sentido faz guardar para nós as palavras bonitas, os sorrisos rasgados, os obrigados? Que sentido faz que um presente valha mais do que uma palavra de carinho ou de conforto?

Nenhum sentido. E o sentido da vida, de facto, continua a ser "dar sentido às vidas com que nos cruzamos".


segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

perdão

sobre o perdão, não nos ensinam como nem quando. dizem-nos que é o melhor, o mais certo e saudável, mas não nos dizem como nem quando. ensinam-nos que alivia, que nos torna melhores, mas não nos dizem como nem quando.

só sabemos que é possível chegar-lhe, em bicos de pés. que é uma forma superior de reagir ao desgosto e à tristeza, mas nem como nem quando.

eu vi-o, lá bem alto. sei que ele está lá. que o posso colher e oferecer. só não sei como nem quando lhe poderei chegar.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

o tempo que nos resta

o medo de sermos esquecidos faz-nos passar boa parte da vida a lembrar que seremos perdidos.

passamos os dias todos tão ocupados, sem nos ocuparmos de nós, sem nos ocuparmos do que realmente importa, aquilo que deixamos quando de nós apenas restarem saudades e recordações.

passamos a vida a adiar palavras, sentimentos, a evitar dar-nos e a evitar abrir o nosso coração, para receber o que ele mais procura.

a rotina deixa pouco espaço vazio. sobra pouco para tanto. e o tanto parece tão pouco.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

amanhã?

um dia depois do outro e parece que tudo corre. nem os rios nem o mar esperam por nós. podiam deixar-nos sossegar o coração pelo tempo de um beijo. quem sabe os lábios façam o milagre da multiplicação dos minutos. talvez o tempo não passe e a esperança de um dia melhor não se apague. talvez amanhã os quilómetros sejam menos. ou até o medo ganhe as asas que outro anjo levou. mas amanhã é longe e sei lá... sei lá o que me fazes sentir. sei o que sinto hoje... e gosto. e quero. e penso. e tento. e espero. e volto a querer(-te). a verdade é que me és. a verdade é que amanhã podemos cá não estar. e então, de que valeu esperar?

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

as minhas pessoas

já sabem o quanto gosto de pessoas e o quão importantes são para mim as minhas pessoas, as pessoas da minha vida.
há dias em que me esqueço de lhes dizer que me fazem falta, que me sinto bem com elas por perto e o que me custa tê-las longe. a correria poderia ser a desculpa perfeita, mas não chega... e já passou de moda. não costumo ligar todos os dias a perguntar como estás, a dizer que o meu dia correu bem e a perguntar pelo teu. mas é assim que sou. que se há-de fazer? o principezinho também dizia que "cativar significa criar laços". é tão raro as pessoas hoje em dia criarem laços, amar, sacrificar uma hora de televisão por uma hora de conversa com um amigo.
o dia pode ser muito preenchido, mas há sempre tempo para um "gosto de ti", para um "amo-te", ou um "fazes-me falta" ou até "vai à merda por não me ligares nenhuma". há sempre tempo, nem que seja no meio da rua, à frente de todos. vergonha de quê? em algum momento todos o sentimos. mas nem todos têm a capacidade de o passar para nós. eu tenho a sorte de ter pessoas que são capazes. são as minhas pessoas. elas deitam-se descansadas na almofada e dormem bem. e eu também. porque as tenho.